A Tampa da Panela e o Karmann-Ghia na sala
*Luiz Quibão Junior
Minha Nona materna sempre falava: “Lá vai a panela e a tampa!”, quando eu saia com a Luci, que é a minha esposa. Começamos á namorar bem novos, ela com 15 anos e eu com 19, no inicio de 1984. Na realidade, eu a conheci no dia 31 de dezembro de 1983, uma época romântica, quando íamos a um clube chamado Cultura na cidade de Capivari, vizinha, ou melhor, colada à Rafard. Além das brincadeiras na “Cultura”, tinha a praça que era em frente ao clube e era a área da paquera, com homens indo em um sentido e mulheres no outro. Daí a troca de olhares, na próxima volta um sorriso e na terceira os melhores de papo já iam conversar com a escolhida.
Quando a conheci, o Mankinho estava “internado” em uma funilaria, daí a Beginha entrava em ação (uma Chevrolet D10 1979 que está na família desde 1982 e que meu filho Lê já falou que vai ser dele). Antes do dia 31 de dezembro eu já fazia o percurso da casa dela e quase afundava a rua de tanto passar com a Beginha por lá.
Bom, começamos o namoro, e eu sempre fui “sarrista”, brincando com tudo. Já ela, vinha de família que não era de brincar muito, daí acabamos brigando varias vezes, mas o destino já estava traçado, e estamos juntos até hoje e eu criei um monstro, pois quem a conhece pessoalmente sabe das brincadeiras que fazemos juntos. Bobeou, a gente pega no pé!
Minha “Tampa” andou muito de Mankinho e D10 comigo. Nosso lema sempre foi: “O importante é a viagem, não o destino!” Aliás, a Disney copiou nosso ideal de vida no filme “Cars”! O tempo passou e em 1991 a gente se casou. Meu pai fechou o mercado que tinha e mudamos a eletrônica para lá. O antigo endereço, um barracão, ficou com tralhas que os clientes abandonavam e o Mankinho ficava guardado lá, pois em 1988 compramos um Chevette 0Km e na correria do dia a dia não tínhamos tempo de andar com o Mankinho, situação que se agravou mais depois, pois nos finais de semana íamos a São Pedro, onde havíamos comprado uma chácara.
Dava dó de ver ele quieto sem sair de “casa”! Um dia, em junho de 1995, um grande amigo e Irmão, o Carlão, me perguntou quanto valeria um Karmann-Ghia que ele viu anunciado em um jornal, e acabei vendendo o Mankinho pra ele, por pura burrice. Se esperasse mais uns tempos, as coisas iam se ajeitando, mas o Lê estava a caminho e pensei que quando ele nascesse é que não teria mais tempo para o Mankinho mesmo.
Nós dois sentimos um misto de alegria e tristeza de vender o Mankinho. Mas como disse antes, do destino ninguém escapa. O Mankinho voltou pra gente, o “anticocus ferruginosus”, já tinha nos contaminado novamente, pois já tínhamos adotado o Frank, um Jipe CBT Javali 1989; a Kiki, um Puma GTS 1980; e o Azulão, um Landau 1983, que nos proporcionaram muitos momentos de alegria em passeios e encontros de carros antigos. Deram-nos grandes amigos. Mas uma coisinha incomodava: faltava o Mankinho, que voltou pra casa em junho de 2006.
A “Tampa da Panela” há alguns anos me cobrava a compra de uma cristaleira que fiquei de comprar para colocar as miniaturas que já colecionava há anos. E comprada a primeira, ela tomou para si a tarefa de organizar as minis. Eu sempre dizia que gostaria de colocar o Mankinho na sala pra poder vê-lo mais vezes. Falava um pouco em tom de brincadeira, mas que tinha vontade, tinha!
No começo de 2010 um vendaval destelhou parte do barracão onde tínhamos a eletrônica e onde hoje é um deposito de bebidas. Foi um transtorno, pois um cliente meu nas quedas de energia acabou ficando sem a rede e tive que ir socorrer. Enquanto isso, meu pai foi tentar achar alguém para refazer o telhado. Já quase noite, minha mãe perguntou ao Rogério, um vizinho que era só “bom dia, boa tarde ou boa noite” se ele conhecia um pedreiro que pudesse fazer o serviço. Ele nos indicou o Fernando. Fomos na mesma hora à casa dele, que veio ver o serviço e deixou de terminar um acabamento em Capivari para nos socorrer.
A Luci, ops quero dizer, “Tampa da Panela”, já falava que antes de comprar uma Lambretta eu deveria derrubar a parede da sala e colocar o Mankinho lá dentro. Mas todos viam só empecilhos. Como fui com a cara do Fernando, pedi para ele vir ver a parede e as mudanças necessárias. Ele topou fazer o trabalho aos sábados, pois assim eu poderia acompanhar e ajudar.
Em dois sábados e no feriado de Corpus Christi já tínhamos feito a parte dele, daí a pintura ficou a cargo da “Panela”, com a ajuda da “Tampa”. Para encurtar, o Mankinho só entrou na sala em setembro, pois acabaram aparecendo mais coisas a serem feitas.
A historia ficou um pouco longa, mas é uma forma de relembrar de minha Nona e como um monte de porcas e parafusos se torna um filho de lata pra gente, uma mulher que é companheira, não está atrás de um grande homem (puts que convencido!), mas caminha ao seu lado. E ainda por cima, com esta saudável loucura, ganhar mais alguns amigos, inclusive o Rogério, que além de dar ótimas idéias pra sustentação da laje, ajudou muito.
Rafard e Capivari são duas cidades pequenas e intimamente ligadas. O carro na sala já virou lenda, mas quando falamos pra alguém de nossa loucura, na hora olham pra Luci e ela fala: “Fui eu quem falou pra colocar!”
*Luiz Quibao Junior, mais conhecido por Quibão, é natural de Rafard-SP e teve como primeiro carro um Karmann-Ghia 1964, mesmo ano de seu nascimento, comprado em 1982. Desde criança teve ferrugem nas veias e acabou contaminando sua esposa e filho e além de dar nome aos seus carros, afirma que cada um tem um temperamento.
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